terça-feira, 12 de outubro de 2010

É PRIMAVERA !



16 notas para uma definição do desenho - Richard Jonh

O Desenho é:

O ponto mais próximo de uma origem. Pode‐se dizer que o desenho tem a contigüidade

máxima à origem, um local por definição inacessível. Da origem ninguém pode ser

testemunha, seu ar é irrespirável. É um local que de certa forma não existe porque ainda

não houve divisão entre observador e observado, criador e criatura. Mas o desenho parece

surgir de um vazamento disto, nos traz os indícios das primeiras coisas, de “um mundo

primitivo” e do que pode ter ocorrido por lá. Como um eco, ele inventa ou reinstaura todos

os mitos de origem.

SIMULTÂNEO ÀS IDÈIAS. É como o ovo e a galinha, difícil saber quem vem primeiro. Na corrida

por um pódio imaginário suas velocidades e posições talvez se alternem, mas isso não nos é

visível. É mais seguro, portanto, dizer que são simultâneos. Mesmo nesta simultaneidade e

pressa, não existe sobreposição ou anulação, porque desenho e idéias não são de naturezas

distintas: um apenas se transforma no outro e vice‐versa.

RÀPIDO COMO UMA FLECHA. O traço é um projétil/projeto que se estende em potência e

rapidez pelo espaço infinito do desenho. A linha projeta‐se no espaço como sabedora de sua

condição e propósito, apontando espaços e direções futuras. Desígnio. Destino.

Como nota é interessante lembrar que o CorelDraw X3 finalmente transformou os pontos

de controle das curvas de Bézier em vetores/flechas. Um plano crivado de flechas, um plano

para desenvolver possibilidades.

PROJETO. Na passagem do pensiero para o modello, o desenho nos acompanha: nos diz como

– e o que – devemos fazer, nos dá a pauta, a partitura, a planta. O desenho afere resultados,

audita em escala e tamanho. No schizzare2 lança‐se como projétil e balística, igual a um

foguete em direção à lua. Obra de pontaria e exploração, aventura e inauguração. Quebrar

um champanhe no casco de um navio a ser batizado é uma obra de desenho transatlântico.

PRECISO. A linha se afina ao infinito, indo até, mas sem nunca chegar, ao infinitamente

preciso. (Embora tenha um limite, o zoom do Corel não pixeliza). O traço está aqui e não ali,

está inscrito em si mesmo. O plano dividido: o dentro e o fora, o esquerdo e o direito, o de

cima e o de baixo, o geométrico e o orgânico. Delinear/marcar e dividir as terras. Metrias

para um plano futuro. O desenho é a trena do mundo.

1
Ao contrário de esgotar ou fechar o assunto desenho, estas notas pretendem ser portas de abertura para algumas de suas possibilidades. Uma versão quase idêntica foi apresentada no Seminário de extensão “Desenho em questão”, parte do evento “Total Presença: Desenho”, organizado por Blanca Brites. Instituto de Artes da UFRGS, Porto Alegre, RS. 30 de Outubro de 2007.

2

Esboçar (do italiano schizzare: manchar, esguichar)

CORRETO. Nunca erra. Mesmo um desenho cego estará correto. Mesmo uma figura

desproporcional estará correta, pois ambas correspondem a algum tipo de modelo ou

desejo.

HUMILDE. Virtuoso, nem sempre toma os méritos para si. Para Ingres, por trás de toda

grande pintura havia um grande desenho. Seus meios são simples, vive com o mínimo, lhe é

o bastante. Suas ações são diretas. É de natureza servil: serve para muita coisa. É disponível

e afável. Companheiro, confidente e amigo. Há quem o tenha como companhia numa mesa

de bar ou palestra entediante. Alguns o vêem como interlocutor mais interessante que

aquele que insiste numa conversa ao telefone.

INCITADOR. Ativa o que está morto ou adormecido. Cria nova vida em folhas e muros, que

seriam de outra forma, puro tédio. Inscreve‐se de forma ladina em grafites e notas de

rodapé. Quer ir brincar lá fora. Riscar na calçada ou no quadro. Quer escrever palavrões ou

desenhar coisas obscenas. É divertido!

ONIPRESENTE. Ele está na definição de todas as formas, mentais ou concretas. Mesmo

naquelas nem sequer imaginadas. Ou, como queria Degas, o Desenho está “na maneira de

ver a forma“. O desenho está junto no projeto do mundo, é a sua maior parte e arma de

maior poder.

Um mar profundo. Instauração de um desejo. Corte na pele nova, a cicatriz precoce e

abissal. Indelével e irreversível, marca instantânea e por vezes passional. Expõe a carne

inconsciente, antes abstraída num plano limpo e claro. Mesmo que manifesto

desinteressadamente, o desejo subjaz como força profunda.

CAPRICHOSO. Dá voz, em todas as suas volutas, aos caprichos e devaneios de seu dono.

Define e perigrafa idiossincrasias. Delineia, encerra, descerra, planeja, modela, inventa,

exemplifica. Molda‐se facilmente a qualquer coisa. É também, por natureza, curioso,

investigativo, especulativo, confiante e otimista (sua própria inscrição assim o revela).

Permite arrependimentos: honra seu erro como exploração explícita.

Jovem e jamais envelhece. É fonte de frescor e juventude. Há uma alegria e uma energia

que é normalmente atribuída às crianças. Não se categoriza em estilos, não fica datado. Vive

com leveza no presente e aponta promessas futuras. A vida lhe pertence em faculdade.

ESTRUTURANTE. O desenho serve como uma forma de organização do pensamento, tratando

do jogo plástico como pura intelecção. Permite também uma retomada das bases de

negociação com a obra e com as idéias que a originaram. Um retorno a origem (movimento

de reversão) ou ainda um novo começo (retomada à frente). Explicativo, clarificador.

REVELADOR. O que descobrimos depois de 100 desenhos? O que podemos descobrir num só?

Muito mais do que os mistérios arcanos da borra do café, da espinha do peixe, das figuras

do Tarot e dos movimentos planetários. Um risco inconsciente equivale a uma revelação.

Mesmo que esta permaneça oculta a espera de um observador e intérprete e ao preço de

suas próprias projeções. Mostra‐me o que desenhas e eu te direi quem és! Uma mancha no

couro da vaca nos dá a imagem do rosto de Cristo. Um suor no vidro a aparição da Virgem.

Espelho, jogo de espelhos e dimensões ou tela de projeções – pouco ou nada se pode

ocultar – o desenho revela cenas dantescas ou farsas, despudoradamente, ad infinitum.

FANTASMAGÒRICO. Indica presenças mais ou menos reconhecíveis, que não estão exatamente

ali senão em sua essência. O que fica no papel e o que caminha para fora dele? Em sua

forma aberta, está “definitivamente inacabado”

3

, é um ser anímico que sobrevive à morte e

às vezes assusta. A virgem com a criança, Santa Anna e São João Batista de Leonardo da

Vinci na National Gallery, Londres: o desenho parece maior do que é. Sofreu um atentado

com espingarda cano‐serrado, deve ter assustado alguém. Do mesmo Leonardo A virgem

das rochas: um desenho escondido por detrás da pintura, descoberto por Raios X. Revelação

do oculto, transparência fantasmagórica. Imaculada conceição.

TRANSCENDENTE. Não se limita materialmente, permite‐se existir sob qualquer condição.

Beneficia‐se das restrições e da austeridade. Como idéia, independe de um suporte. Como

processo, independe da obra acabada. No entanto é livre para retornar, sempre que

necessário, as suas bases tradicionais. O Desenho parece não se envergonhar de sua

genealogia nem de sua imagem futura. Coloca‐se sempre próximo, ao alcance da mão.



3

Como Duchamp chamou “O Grande Vidro”.

FRAGMENTOS - Livro de Artista - Desenhos








Por do sol no Quilombo - fotografia


Face -Agua tinta

Esfera -Agua tinta

Gravura metal -Ponta seca

Agua tinta

Fogueira- xilogravura


xilogravura


bordado com cabelo

Por de sol no Guaiba - fotografia



Ao luar - pastel seco



Bonecas Kikondi - cerâmica








Minha coleção de vidros de perfumes- Memórias