domingo, 26 de julho de 2015

Sobre ver e Olhar

"A chama que me arde mora além dos olhos que tu tens"Lari Franchesquetto
Sobre Ver e Olhar
por Sandra Simões

Vivemos uma “ civilização das imagens” diferente de tempos anteriores do predomínio da voz e posteriormente da escrita. Falamos aqui das imagens do cotidiano, e não apenas das imagens artísticas.
 Em um mundo globalizado, massificado pelas imagens veiculadas pela mídia, as sensações entram por nossos olhos como coisa pronta, acabada. São imagens de fácil reconhecimento que induzem a uma leitura superficial,  impedem  o indivíduo de imaginar, de pensar o novo. A imaginação esvaziada e a  gratuidade dos sentidos produz angústia e alienação, hipertrofiando a razão. Sem imaginação não há emoção, os nervos não vibram, os sentidos se anulam frente as vivências e experiências cotidianas.
“A hipertrofia da razão, em detrimento da emoção conduz à violência e à alienação. A violência como única forma de fazer os nervos vibrarem. À alienação quando a vida não faz mais sentido.” Duarte Junior
Imaginação?
Mas para que imaginação?
 A imaginação propicia o simbolizar, atribuir outros sentidos à objetos e acontecimentos. Simbolizar  é o que diferencia o homem das outras espécies. A capacidade de simbolizar transforma a vida biológica em coisa qualitativamente diferente. Merleau-Ponty  denomina o comportamento humano como “ comportamento  simbólico”. O animal reage aos estímulos. O homem age em função dos significados que imprime à realidade
“ A imaginação é um dos  modos pelos quais a consciência apreende o mundo  e o elabora. Pela imaginação o ser humano organiza o mundo numa estrutura significativa. Projeta o que ainda não existe, o devir, o que poderá vir a ser.” Teixeira Coelho
As imagens são símbolos. São recheadas de significados, de significância existencial. E estão aí para serem  compreendidas em sua essência, decifradas além da aparência.
A profusão de imagens, principalmente as estereotipadas “ elimina não apenas todo o sentido,como as próprias imagens”. Um processo de inflação simbólica tornando  o olho cego à riqueza das nuances, à alteridade,  ao desconhecido, ao estranhamento. Imagens que por seu reconhecimento fácil se esvaziam de tudo que convoque o pensar. É a  superficialidade provocando o excesso de certezas dos tempos atuais, a solidificação de verdades estereotipadas.

Olhar é muito mais que ver. Olhar nos faz diminuir a pressa;  ver é próprio da rapidez. Ver  é um ato fisiológico decorrente do sentido da visão. Vemos porque temos olhos. Olhar é o fator biológico somado à uma intenção consciente, que gera idéias, questionamentos e conclusões.

 “ Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado.” Márcia Tíburi

Para Didi-Huberman, a imagem é uma forma específica de se pensar o tempo histórico-social. Portanto, pensar as imagens é pensar a realidade.  Mediado em um  processo dialógico de produção de significações sobre a experiência vivida, sobre o que se vê, não apenas o que caracteriza o mundo da natureza, mas sim  de uma realidade significada, portanto criada, que constitui o mundo da cultura, da realidade, característicos de uma época e um lugar.

 Uma imagem nos convoca a pensar, nos choca e nos instiga. Carlos Drumond de Andrade escreve um poema pertinente,

Chega mais perto e contempla as palavras.(as imagens, eu acrescento)
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

 

 

Referências Bibliograficas

AUMONT,Jacques -  A imagem. São Paulo: Campinas,  1993

 DIDI-HUBERMAN, George. O que vemos, o que nos olha. Tradução Paulo Neves. São Paulo: 34 Ed., 1998.

 DUARTE JR. João-Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar, 2001

 MERLEAU-PONTY, Maurice. A fenomenologia da Percepção. Tradução: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

TEIXEIRA COELHO, José. Moderno Pós-Moderno. São Paulo: Illuminuras, 1996.

TIBURI, Marcia. Artigo originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 103 (setembro/outubro).
http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos